segunda-feira, 29 de junho de 2009

As tão faladas birras

«Está quieto, não estragues isso». «Despacha-te, estamos à tua espera». «Quantas vezes é preciso repetir! Já te disse vinte vezes para lavares os dentes e ires para a cama!» Frases como estas sobem de tom e acabam, muitas vezes, com gritos e ameaças de castigos inconsequentes. O cenário faz parte do quotidiano de grande parte das famílias: «pais papagaio», que repetem até à exaustão as mesmas coisas, e filhos «surdos selectivos» que só ouvem o que lhes interessa. Mas tem mesmo que ser assim? Haverá alguma forma de tornar o quotidiano das famílias menos penoso? De diminuir os conflitos entre pais e filhos? De tornar as crianças mais responsáveis e participativas? E de evitar reacções impulsivas, desproporcionadas e violentas? «Todos os pais sentem dificuldades com os filhos, saber educar não é inato, todos cometem erros mas é possível, com a mudança de atitude e pequenas alterações, conseguir melhorias enormes no relacionamento», assegura a psicóloga Eva Delgado Martins.

«Grande parte dos problemas da adolescência tem a sua raíz na infância, a relação conflituosa estabelece-se nos primeiros anos e é preciso evitar que isso aconteça. Muitos pais sentem-se angustiados com a evolução dos filhos, não têm com quem partilhar dúvidas sem serem criticados ou julgados». Eva Delgado Martins, doutoranda em Educação Parental e docente do ISPA (Instituto de Psicologia Aplicada), nos últimos anos tem organizado «conversas com pais» em vários pontos do país para promover a reflexão conjunta e a partilha de experiências. «Ao contrário do que se pensa, a maioria dos pais quer ser ajudada, sobretudo hoje em dia, em que a família nuclear está demasiado só. É necessário prevenir e não esperar que os problemas se agudizem, levando a rupturas irreparáveis». Ainda antes de o bebé nascer e à medida que a criança vai crescendo, é importante que os pais dialoguem e estejam de acordo quanto à forma de educar, definindo as tarefas que vão repartir e os aspectos que consideram essenciais, para na pressão do momento conseguirem agir com coerência. «Muitos só se apercebem que nunca pararam para avaliar e combinar o modo de actuar em relação aos filhos quando chegam às sessões.»

COM REGRAS TODOS SE ENTENDEM

Se os pais tivessem um livro de reclamações, entre as queixas mais frequentes estariam as birras dos filhos, a sua incapacidade para aceitar ordens e a tendência crónica para a desarrumação e aversão às tarefas domésticas. «Só queríamos que ele fosse mais responsável, que não tivéssemos de repetir tudo...», dizem alguns pais. Outros desejam simplesmente poder dormir ou relaxar quando chegam a casa. «Para que tudo decorra com mais tranquilidade, há um princípio básico: é preciso estabelecer regras e fazê-las cumprir. Sem regras, sem limites, as crianças sentem-se inseguras, não sabem o que podem ou não fazer, vão continuamente pôr os pais à prova e experimentar até onde podem ir.» Se ficar instituído que, depois da brincadeira, têm de arrumar os brinquedos, as crianças acabam por interiorizar essa regra. O mesmo sucede em relação a arrumar os sapatos, colocar a roupa em cima da cadeira ou fazer a cama antes de saírem de casa. «Às vezes os filhos não participam mais porque não são incentivados nem sabem que isso é esperado deles.»

Fazer um simples mapa com as fotografias e as funções de cada um e afixá-lo num local bem visível (no quarto ou na cozinha) pode surtir grandes mudanças. «Se ficar assinalado no mapa que cumpriram as tarefas do dia, isso dá-lhes vontade de continuar a colaborar. Os pais podem até combinar uma recompensa se, no final do dia ou da semana, todos os objectivos previstos forem cumpridos.» Uma ida ao cinema ou a um passeio há muito desejado podem fazer a diferença. Desenhar uma carinha feliz quando se portam bem ou, pelo contrário, infeliz quando não correspondem ao combinado, tem um grande impacto nas crianças mais pequenas. Os horários podem também ficar definidos no mapa – como a hora de estar pronto para ir para a escola ou de ir para a cama. «Há uma grande dificuldade em fazer com que os filhos se deitem cedo mas é fundamental, não só para as crianças mas também para os pais que precisam de ter um tempo só para si». Vale a pena fazer um esforço e dedicar pelo menos dez minutos para ler uma história, conversar ou brincar com os filhos antes de irem para a cama. E quando o relógio marca a hora, toca a dormir, sem concessões.

REPREENDER DE FORMA JUSTA E EFICAZ


«Não comes, ficas sem ver televisão durante uma semana». «Não fizeste os trabalhos de casa, não há consola durante um mês...» Ameaças como estas são frequentes mas inconsequentes porque raramente são levadas até ao fim. «Os pais precisam de aprender a dar castigos, que não sejam demasiado longos e que estejam relacionados com o comportamento em causa. O que é que o almoço ou o jantar tem a ver com ver televisão? Nada», adverte a psicóloga Eva Delgado Martins. «A importância do castigo é mostrar que há consequências se as regras não forem cumpridas. Quando o castigo é impossível de ser cumprido, não vai ter efeito. A punição deve ter também uma relação directa com o acto em falta». É mais sensato e eficaz dizer: se não comes agora, só poderás comer à hora da próxima refeição; se não fizeste os trabalhos de casa, vais ter de os fazer agora a dobrar, os de ontem e os de hoje...

«E porque não perguntar à criança que castigo é que ela merece? Por vezes elas referem coisas que nós nem imaginamos que têm importância para elas.» Um erro comum é mandar a criança para o quarto de castigo. «O quarto não deve ser um lugar mau, se assim for, a criança evitará brincar ou dormir lá. É preferível sentá-la num banquinho no corredor para acalmar, até que ela verbalize o que fez de errado e peça desculpa», aconselha a psicóloga. Os pais devem evitar discordar à frente da criança quanto à forma de repreensão. «Mesmo que no momento não se concorde, mais vale calar e argumentar apenas quando o filho não estiver a ouvir». O consenso entre pai e mãe não é fácil, cada um tem origens diferentes, com costumes e modelos de educação distintos. Mas é preciso «educar em conjunto para dar segurança aos filhos». Sabendo que cada criança e cada situação são diferentes. O esforço das crianças precisa de ser valorizado. Cada conquista, merece um elogio.

AGREDIR NÃO RESOLVE NADA

Com o cansaço e as preocupações do dia-a-dia, muitos pais descontrolam-se e acabam por bater ou sujeitar a criança a agressões psicológicas, com sofrimentos evitáveis para ambas as partes. «Não prestas para nada», «não te quero ver mais à minha frente», «nasceste só para me dar trabalho...» Por vezes, no desespero do momento, diz-se e faz-se o que não se deve. «Quando isso acontece, os pais devem pedir desculpa e explicar que estavam irritados e preocupados com outros problemas que não tinham a ver com a criança. Devem assumir que erraram», afirma Eva Delgado Martins. «Na verdade o que os pais não gostam é de determinados comportamentos dos filhos e não dos próprios filhos. Isso deve ser dito.»

Condicionar o comportamento através do uso da força não tem qualquer valor. «Bater cria revolta e vontade de vingança, não faz com que o comportamento mude, a criança obedece por medo e não por interiorizar as regras». É preciso ajudar as crianças a avaliarem, por si mesmas, os limites do seu comportamento e a serem cada vez mais autónomas e isso não se consegue recorrendo à violência. «Os pais agressores são adultos inseguros, estão insatisfeitos consigo próprios, têm dificuldade em relacionar-se com os outros, usam a força como meio de interacção». E é esse o modelo que transmitem aos filhos, que crescem com baixa auto-estima e dificuldade de relacionamento. «Quando os pais deixam de bater em casa, os filhos deixam de bater na escola». Repreender é necessário mas deve ser, sempre, um acto construtivo. Nada justifica a violência.

Sugestões para os pais não perderem a cabeça:

De nada servem castigos excessivos. As consequências devem estar relacionadas com o comportamento, ser adequadas à idade e ter efeitos imediatos. Deixamos algumas dicas:

1. Se não quer comer sopa: come legumes como alternativa.

2. Se recusa o almoço: só voltará a comer na refeição seguinte.

3. Se não quer ir para a cama: vai para a cama, explicando-se as razões porque o deve fazer, não tem opção.

4. Se bate no irmão ou no amigo: explicar que quem bate não é capaz de convencer o outro das suas razões. Afastar a criança alguns minutos, para que reflicta e peça desculpa pelo comportamento.

5. Se recusa fazer os trabalhos de casa: prestar ajuda. Se continuar a recusar sem motivo, terá de os fazer a duplicar.

6. Se estragou ou perdeu algum objecto: diminuir a semanada ou retirar parte desse valor do mealheiro para substituir o objecto em causa.


Texto: Gabriela Oliveira
Pais & Filhos, 31 Maio 2009