(continuação)
Berry Brazelton, o mais conceituado pediatra da actualidade, alerta os pais para a importância de esperar que a criança esteja pronta. O seu método centra-se na criança, ou seja, é ela que tem de ser a protagonista e não os pais. Na sua opinião, tal nunca deve acontecer antes dos dois anos de idade. Existem certamente crianças que conseguem deixar as fraldas com sucesso mais cedo, mas ao tentar-se mais cedo, com a generalidade das crianças, estamos a sujeitar muitas delas a um mal-estar psicológico não negligenciável: «Quando as crianças são pressionadas antes de estarem preparadas para serem bem-sucedidas, os insucessos resultam em problemas sérios como a retenção das fezes, a incontinência fecal ou a enurese nocturna» (A Criança e a Higiene, de T. Berry Brazelton e Joshua D. Sparrow, Presença).
O importante será então, na opinião de Brazelton, ter a certeza que a criança está preparada e permitir que esta seja uma conquista sua e não uma imposição dos pais. Para tal, é preciso esperar que surjam os primeiros sinais que revelam a maturidade necessária por parte da criança. Para ele, os mais importantes são: já não querer estar sempre de pé e a andar de um lado para o outro; a linguagem estar bastante desenvolvida; saber dizer Não; saber pôr as coisas no sítio certo; começar a imitar os pais e irmãos mais velhos; começar a manter-se seca durante uma ou duas horas; fazer cocó a horas certas; estar a conquistar a consciência do seu corpo.
Estes sete sinais eleitos por Brazelton como essenciais revelam que o controlo dos esfíncteres, ou seja, aprender a reter durante algum tempo o chichi e o cocó, é uma capacidade complexa e que está relacionada com uma série de outras aquisições. Deixar as fraldas depende de aspectos fisiológicos, mas também cognitivos, psicológicos e emocionais. Assim, deverá avaliar, separadamente, alguns parâmetros do desenvolvimento do seu filho, para perceber se ele estará pronto para mais este grande passo.
ASPECTOS FISIOLÓGICOS E DE MOTRICIDADE
Os músculos dos esfíncteres (genital e anal) têm de ter atingido maturidade suficiente de modo a permitirem que a criança «aguente» algum tempo entre sentir que tem vontade de ir à casa de banho e estar a postos para fazer chichi ou cocó. Essa maturidade muscular acontece, em média, algures entre os 12 e os 24 meses, segundo a Sociedade Americana de Pediatria.
Por volta dos 12 meses, a criança começa a reconhecer a sensação que precede a eliminação dos chichis e cocós. É possível observar como param antes de fazer, como se colocam por vezes em certas posições em que se sentem mais confortáveis. Nesta fase ainda não terão capacidade para “aguentar”, mas esse reconhecimento dos sinais que o nosso corpo dá é muito importante neste processo.
Mais tarde, os esfíncteres atingem a maturidade que permite à criança reter por algum tempo chichis e cocós. Este processo tem uma sequência: primeiro, a criança deixa de fazer cocó durante a noite, depois consegue controlar chichi e cocó durante o dia e, por fim, consegue deixar de fazer chichi também durante a noite.
O facto de a criança manter a fralda seca durante períodos cada vez maiores – algumas horas – e até de acordar por vezes da sesta sem ter feito chichi durante o sono são sinais de que, fisiologicamente, estará pronta para iniciar o processo de deixar as fraldas. Mais tarde, quando começar a acordar de manhã com a fralda seca, é o sinal de que já consegue também deixar de fazer chichi durante a noite. Após começar a andar, por volta dos 12 meses, a criança não pára. Quer estar sempre em pé, como diz Brazelton. Mas quer também correr e testar a sua nova habilidade e todos os seus limites. Só depois desta fase estará disponível para outras conquistas, ao nível da motricidade fina, conquistas essas que são importantes na hora de deixar as fraldas. A coordenação motora que lhe permite despir-se, tirar a sua fralda, baixar e levantar as cuecas é outro sinal de que está pronta para deixar as fraldas.
DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E LINGUAGEM
A descoberta do corpo é fundamental para conseguir dispensar as fraldas. A criança começa a mostrar curiosidade sobre os seus órgãos genitais e outras partes do corpo, percebe as suas funções, nomeia-os, gosta de jogos que envolvam o seu corpo.
Estar pronta para o grande passo significa que ela tem de conseguir associar uma sensação que o corpo lhe envia a uma resposta apropriada e complexa pois é-lhe exigido várias coisas ao mesmo tempo: contrair os esfíncteres de forma a reter algum tempo o chichi ou cocó (assim que sente vontade de fazer), avisar um adulto que precisa de ir à casa de banho, ir até lá, esperar que a dispam e sentem na sanita ou bacio, e só então descontrair os músculos de forma a fazer chichi ou cocó onde é suposto. É preciso concentração!
O seu filho tem também de perceber tudo o que lhe diz e saber comunicar quando tem vontade. Só assim poderá entender todos os passos do processo. Aprender o vocabulário envolvido é um passo prévio que não deverá descurar.
Tal como andar ou falar, ir à casa de banho parece muito fácil para quem o fez toda a vida, mas não podemos esquecer que a experiência de toda a vida de uma criança de dois anos é fazer chichi e cocó na fralda. É não ter de se preocupar com isso nem ter de interromper nenhuma actividade para tratar desse assunto.
Aprender a controlar os esfíncteres e aceitar que terá de ir sempre, várias vezes por dia, ao bacio ou à sanita exige, portanto, maturidade a nível cognitivo e maturidade psicológica. É preciso que a criança tenha já capacidade de abstracção e pensamento simbólico, capacidade de resolver problemas e de memorizar.
ASPECTOS EMOCIONAIS E SOCIAIS
Auto-domínio e desejo de agradar aos pais são ingredientes não menos importantes em todo este processo. O desejo de fazer sozinho, de dominar certas actividades são bons indicadores de maturidade. Dizer «eu faço», «eu consigo», «eu sozinho» revelam que a criança está no bom caminho na conquista da independência e que se vai sentir orgulhosa por conseguir ultrapassar com sucesso mais esta importante etapa do seu desenvolvimento.
É claro que esta é também a «idade do Não», ou seja, a criança está a afirmar-se enquanto dona e senhora da sua vontade, por oposição à vontade dos pais. Isso pode dificultar o processo de deixar as fraldas, pois se a criança percebe que os pais fazem muita questão pode marcar a sua posição recusando-se a colaborar. Fazer fora do sítio só pelo prazer de contrariar é sempre uma opção «divertida». Se o seu filho está no auge desta fase, o melhor é esperar que passe. Largar as fraldas não pode ser mais um ponto de discórdia, mas sim uma conquista positiva.
A consciência social é também um ponto prévio importante. Ou seja, a vontade de fazer como os outros e de ser crescido. É por isso que crianças com irmãos mais velhos têm tendência a deixar as fraldas mais cedo. Tal como é mais fácil uma criança cooperar quando está na creche e distrair-se quando está em casa.
O temperamento da criança também interfere nesta questão. Uma criança demasiado sensível ao toque pode demorar mais algum tempo até estar disposta a sentar-se, sem fralda, numa superfície fria. Uma criança demasiado activa pode ter dificuldade em estar sentada quieta no bacio. Neste caso, pode ser útil a brincadeira de pôr primeiro o boneco preferido a fazer, baixar e levantar as cuecas dele.
NA CRECHE
Quando as crianças passam o dia na creche, é óbvio que a educadora se torna fundamental na altura de deixar as fraldas. A escola e os pais têm de estar em sintonia, no mesmo momento. Ainda no livro “A Criança e a Higiene”, Brazelton alerta para a importância desta sintonia: «Qualquer inconsistência provoca confusão na criança. (…) É essencial que conversem sobre os passos a dar para alcançar o sucesso da criança nesta fase».
É o que procura fazer-se na Casa da Árvore, escola onde Rita Simão é educadora de infância: «Esperamos que sejam os pais a tomar a iniciativa, que sejam eles a vir ter connosco quando consideram que a criança está preparada. Mas hoje em dia, isso quase nunca acontece. Os pais quase nunca o fazem. Acabamos por ser nós a falar com eles, a dizer que nos parece que é boa altura, que a criança está preparada. Se os pais continuam a não estar para aí virados, porque ainda acham cedo ou porque não têm muita disponibilidade naquela altura, adiamos mais um pouco. Porque neste processo todos têm de estar em sintonia: a criança, os pais, a escola.»
A tendência actual é para que as crianças deixem de usar fraldas cada vez mais tarde. Rita trabalha há 13 anos com crianças com idades entre os 12 meses e os três anos e afirma que, quando começou, as crianças não usavam fralda até tão tarde: «Sabemos que aos dois anos, em média estão preparadas para este passo, as meninas até um pouco mais cedo. Mas hoje adia-se muito para além disso, penso que devido à falta de disponibilidade dos pais. Este é um processo que exige tempo e paciência, coisas que os pais têm cada vez menos. Nota-se um ritmo cada vez mais alucinado na vida familiar. Isso condiciona muito as crianças».
Da sua vasta experiência, Rita deixa alguns conselhos aos pais que estão a iniciar esta aventura:
. que tenham muita paciência
. que não ponham fralda à criança no fim de semana só porque é mais cómodo. No caso de terem de sair de casa, usem as «fraldas-cueca», para prevenir acidentes no carro, mas continuem a levar a criança à casa de banho com frequência e a lembrá-la que deve pedir para fazer chichi e cocó. Nunca dizer «faz na fralda!»
. que «acertem agulhas» em caso de divórcio. Haver regras diferentes em casa da mãe e do pai dificulta o processo e baralha muito as crianças.
. que mostrem muita satisfação de cada vez que a criança pede para fazer chichi ou cocó e faz no bacio ou na sanita. Valorizá-la e felicitá-la por uma conquista que é sua.
. que nunca repreendam a criança por uma distracção. Estar preparado para a ocorrência de «acidentes». Estes fazem parte do processo. Repreensões e humilhações podem fazer com que a criança se recuse a colaborar e deixe de querer andar sem fralda.
. que nunca forcem uma criança a estar sentada no bacio. Se a criança parece preparada, mas depois o processo se torna muito complicado, se ela se recusa, se faz constantemente chichi no chão adiar por algum tempo nova tentativa.
. que não caiam na tentação de fazer comparações com outras crianças. Cada criança é única. .
O seu filho está pronto?
Procure os seguintes sinais antes de tentar tirar-lhe as fraldas:
Ao nível do desenvolvimento fisiológico e motor
* a criança demonstra estar consciente das suas necessidades, antes de fazer: agachando-se, escondendo-se
* já não faz cocó durante a noite
* mantém-se com a fralda seca durante longos períodos, talvez até durante a sesta
* faz uma grande quantidade de chichi (menos vezes) e não pouquinho de cada vez (e muitas vezes)
* adopta hábitos regulares para fazer cocó
* consegue despir-se sozinho, baixar as calças, tirar a fralda, baixar e subir as cuecas
Ao nível do desenvolvimento cognitivo e linguagem
* domina o vocabulário envolvido no processo de deixar as fraldas (depende de cada família encontrar as palavras mais confortáveis para o efeito)
* a criança compreende instruções complexas, que envolvem várias fases (vai ao teu quarto buscar o livro do ruca e põe-o no saco, por exemplo).
* a criança gosta de imitar o comportamento dos mais velhos e repetir aquilo que dizem
A nível emocional e social
* demonstra desejo de agradar aos pais
* revela auto-domínio
* quer ser como os outros, faz tudo o que fazem as crianças mais velhas, para ser crescido e se sentir integrado
Texto de Ana Esteves, Pais & Filhos